13 outubro 2006

Expressão Dramática & Floribela

- Hoje tiveste Expressão Dramática?
- Sim…
- E o que fizeram?
- Uns jogos…
- Que jogos?
- Uns com cadeiras… Com uma música da Floribela… Bahhh!


Este diálogo com o meu filho mais novo a propósito de uma das actividades extra-curriculares organizadas pela Escola Pública do 1º Ciclo que frequenta não pode deixar de me suscitar algumas questões, seja como pai, seja como animador sociocultural.

Como pai, porque não me aprece correcto que a Escola não me dê auxílio na tarefa, que todos sabemos difícil, de proporcionar uma Educação de qualidade aos nossos filhos. Quando procuramos cultivar uma consciência crítica em relação a consumos mais ou menos massificados, procurando que os mesmos sejam diversificados, e que não resultem exclusivamente de “modas” e de operações de marketing destinadas a assegurar a rentabilidade de produtos de qualidade duvidosa, não podemos deixar de nos inquietar perante uma Escola onde tais produtos são utilizados e, como tal, valorizados. É preciso esclarecer que em minha casa não se vê ‘Morangos com Açúcar’, nem ‘Floribela’, nem outros que tais porque consideramos (é uma opinião partilhada por pais e filhos) que tais produtos não tem qualidade e porque há outros produtos e actividades mais interessantes, designadamente do ponto de vista educativo.

Posso até antever que uma justificação possível para a utilização de uma música da ‘Floribela’ numa actividade de Expressão Dramática desenvolvida num Estabelecimento de Ensino seja a de conseguir motivar os miúdos. Mas não aceito tal justificação porque em Educação, como em todos os outros domínios, os fins não podem justificar a qualquer preço os meios utilizados, sob pena de se perder o fundamental. E este é necessariamente o de contribuir para uma formação integral e harmoniosa das nossas crianças e jovens.

No trabalho que tenho desenvolvido na área da formação de Animadores Socioculturais tenho insistido muito em procurar que aqueles que trabalham com grupos de crianças e jovens (e o mesmo é válido para outros públicos) tenham consciência de que a sua acção é de natureza essencialmente educativa. Seja pelas atitudes que colocamos no nosso trabalho de facilitação de um grupo, seja pelas actividades que dinamizamos, a nossa acção face àqueles com que trabalhamos é Educativa. Tal pressupõe que a nossa actuação seja coerentemente sustentada por um projecto pedagógico enformado de princípios, de valores e finalidades. Se, por exemplo, esse projecto educativo apelar para a valorização da cooperação, em contraponto a uma sociedade cada vez mais competitiva e individualista, tal ter-se-á de reflectir, obrigatoriamente, nas actividades que escolhemos e no modo com as conduzimos. Não faria portanto sentido, neste caso e, ainda, a título de exemplo, organizar com um grupo uma competição com atribuição de prémios numa dada modalidade cultural ou desportiva. Ainda que desse modo pudéssemos conseguir uma maior motivação do grupo, estaríamos a ser incoerentes com os nossos propósitos educativos.

Um reparo final: as denominadas actividades extra-curriculares, que um crescente número de estabelecimentos de ensino oferecem no âmbito do projecto “Escola a Tempo Inteiro” do Ministério da Educação, são, ou podem ser, uma oportunidade para os detentores de formação, de nível técnico-profissional e mesmo superior, na área da animação cultural. Compete-nos a nós animadores provar que estamos técnica e profissionalmente bem preparados para as desenvolvermos.

Nota: Não faço ideia de quem está a dinamizar na escola do meu filho a actividade de Expressão Dramática designadamente que formação possui. Mas vou procurar indagar…

2 comentários:

Anónimo disse...

Amigo José Vieira,

Confesso que sou uma pessoa completamente descrente do valor pedagógico das actividades que actualmente são desenvolvidas a nível extracurricular no âmbito daquilo que é designado por escola a tempo inteiro. A palavra que me ocorre nesse sentido é a de “ocupação”. Uma ocupação desordenada e irresponsável dos tempos livres das crianças. O trabalho dos animadores não é visto com a mesma importância educativa que o trabalho dos professores.

Se vai dar trabalho a animadores? Claramente que vai, mas coloco as minhas dúvidas se esse trabalho será de animação socioeducativa. Para além de que esta “escola a tempo inteiro” levou ao encerramento de alguns ATL por falta de crianças que agora passam os dias inteiros na escola. Ao encerrarem esses ATL muitos animadores foram despedidos e os programas pedagógicos abandonados.

Solicitam animadores para as actividades extracurriculares e muitos têm que começar já a executar no mesmo dia ou no dia seguinte em que foram contratados. É possível que se delineie um bom projecto nessas condições? Será possível haver projecto?

Sem dúvida que temos muito para reflectir.

Carlos Costa
(www.apdasc.com)

Anónimo disse...

Caro José Vieira,

Foi um prazer descobrir este blog, e com as suas palavras e pulsares, reconhecer muitas das questões e acontecimentos que, directamente, influenciam e pincelam a vida de todos os animadores e animadoras socioculturais ( e educativos ).
Manifesta-se sempre de preemente necessidade o adensar e a própria meditação consciente e participada destas realidades, para procurar alternativas viáveis de acção, mudar consciências, agir em prol de um objectivo, de uma natureza e essência, que será sempre nobre e robusta, musculada, interventiva.
Inspirada nessa realidade insere-se também o meu projecto final de curso, o qual gostaria que descobrisse, em www.esferaliquida.blogspot.com

Muitos parabéns pelo blog, porque se trata de uma manifestação sentida de uma realidade que tem tanto para dar, mas que muitas vezes se perde na incompreensão.