01 março 2007

Reflexão (quase) Final

Publico, aqui, na íntegra a última mensagem que coloquei no fórum "De que falamos quando falamos de Animação Sociocultural" organizado pela RIA - Rede Iberoamerica de Animação Sociocultural que termina amanhã dia 2 de Março. Nesta mensagem procurei fazer uma reflexão final sobre algumas das temáticas que tiveram em debate naquele que foi (ainda é, e por isso tentem por lá passar!) um dos espaços de reflexão sobre a Animação Sociocultural mais interessantes em que tive a oportunidade de participar nos últimos tempos.

Quase no termo deste primeiro fórum, em muito boa hora, promovido pela RIA – Rede Iberoamericana de Animação Sociocultural gostaria de expressar algumas opiniões pessoais que, naturalmente, não são alheias àquilo que por aqui foi sendo escrito.

A Animação Sociocultural é um conceito multimensional e por isso mesmo de não fácil definição e conceptualização. Podemos simplificar o conceito, centrando a nossa reflexão nos fins: promoção de mudanças, de processos de desenvolvimento, em grupos e/ou comunidades). Podemos, também, procurar conceptualizar a Animação Sociocultural a partir da explicitação dos seus princípios e modelos de natureza metodológica: implicação activa dos públicos com quem se trabalha na construção, implementação e avaliação de projectos coerentes de actuação suportados num adequado diagnóstico social da realidade; promoção de processos de autonomia e de desenvolvimento sustentado nos grupos e comunidades com quem se trabalha; abordagem sistémica, multidisciplinar e integrada da realidade social e cultural; etc. Ainda assim, a diversidade de âmbitos, de contextos e públicos da Animação Sociocultural e a variedade de instrumentos a que pode recorrer e de actividades concertas em que se traduz, tornam difícil a tarefa de definir com facilidade esta nossa actividade, esta nossa profissão, esta nossa forma de ser e de estar na vida.

Este fórum, pelo seu carácter internacional contribuiu para pôr em evidência algumas diferenças entre as realidades onde se inserem aqueles que no espaço Iberoamericano desenvolvem actividades no âmbito da Animação Sociocultural. Diferentes posicionamentos ideológicos, diferentes modelos formativos (ou até a ausência dos mesmos) e algumas pequenas polémicas foram aqui registadas.

Uma questão que levantou algum “ruído” foi o confronto entre o exercício das funções de Animador Sociocultural na qualidade de voluntário e/ou profissional, com alguns participantes deste fórum a defenderem que tais funções deveriam estar reservadas exclusivamente a profissionais. Entendi e defendi aqui, desde o início, que o exercício de funções de animação sociocultural, seja em que regime for, deve implicar uma formação prévia adequada e que entendo que na grande maioria das situações onde actuam Animadores Socioculturais profissionais a colaboração de voluntários é necessária e, às vezes, mesmo imprescindível. Por último, partilho da opinião também aqui expressa, de que a crescente profissionalização da Animação Sociocultural terá de decorrer de um crescente reconhecimento social da sua importância e mais-valia. E, em grande parte, este reconhecimento depende do rigor, da qualidade e da eficácia que conseguirmos obter no trabalho (voluntário ou profissional) que desenvolvemos nestas áreas.

Alguns dos companheiros expressaram aqui opiniões, classificadas como sendo “corporativistas” por outros companheiros, que defendem que o trabalho, nomeadamente no âmbito profissional, em torno da Animação Sociocultural seja reservado a Animadores Socioculturais devidamente formados e certificados. Estas opiniões remetem, necessariamente, para as diferentes realidades existentes nos países onde vivemos. Em concreto, e no que a Portugal respeita, importa ter presente que possuímos um sistema formal de certificações na área da Animação Sociocultural com cursos técnico-profissionais ao nível do Ensino Secundário e licenciaturas ao nível do Ensino Superior. Em Portugal e nos últimos 10 anos, registou-se um crescimento exponencial destas ofertas formativas que resultou na saída para o mercado de trabalho de um grande número de profissionais da Animação Sociocultural. Entretanto aumentou consideravelmente o desemprego dos diplomados em outras áreas das ciências sociais (educadores e professores, sociólogos, historiadores, entre outros) o que levou a que alguns destes profissionais procurassem reconverter-se profissionalmente, tendo muitos deles optado pela Animação Sociocultural, frequentado formações diversas. O resultado combinado destes fenómenos reflecte-se numa cada vez maior dificuldade que os jovens com habilitação profissional e/ou académica em Animação Sociocultural encontram em arranjar colocação profissional agravada pelo facto de estarem praticamente esgotadas as possibilidades de admissão na Administração Pública. Em Portugal é cientifica e socialmente admissível que um individuo habilitado com uma formação na Área das Ciências Sociais (Educação de Infância, Professor do Ensino Básico, Sociologia, História, etc.) exerça funções de Animador Sociocultural. A não reciprocidade, que naturalmente se verifica, não pode deixar de gerar entre aqueles que tem uma formação e uma habilitação específica na área da Animação Sociocultural alguns sentimentos de natureza “corporativista”.

A diversidade dos modelos de formação dos Animadores Socioculturais existentes nos nossos países merece também alguma reflexão. Como sabem, em Portugal optou-se pelo ensino formal, certificado e especializado. Há 25 anos, quando comecei a desenvolver actividades na área da Animação Sociocultural este modelo de formação não existia. Um modelo formativo essencialmente prático e vivencial complementado pela frequência de cursos e estágios de pequena duração proporcionava uma formação de natureza muito diferente da actual a um conjunto de profissionais e de voluntários que desenvolviam actividades com um forte sentido de compromisso individual e social e com um posicionamento ideológico muito claro face às questões sociais e culturais. Avançámos, dirão alguns, de uma Animação Sociocultural marcadamente ideológica para uma outra mais científica, mais técnica ou, talvez, mais tecnocrática. Mas, é relativamente fácil constatar que o actual modelo de formação em Animação Sociocultural a funcionar em Portugal apresenta múltiplas deficiências que alguns dos meus companheiros portugueses referiram neste fórum sobres as quais importa reflectir e intervir.

Considero que este fórum, promovido pela RIA, constituiu uma importante iniciativa no sentido de discutir e debater a Animação Sociocultural no espaço Iberoamericano. Importa prosseguir o debate e o intercâmbio de experiências, avançar para uma oferta formativa e documental que permita um aprofundamento dos conhecimentos nesta nossa área e prosseguir o esforço de divulgação e promoção da Animação Sociocultural. As propostas já aqui avançadas pelos responsáveis da RIA parecem-me adequadas no sentido da prossecução destes objectivos.

Um cumprimento especial para todos os que tornaram esta iniciativa possível e para todos aqueles que participaram e que por aqui passaram com um forte desejo de nos voltarmos a encontrar em breve
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