07 fevereiro 2005

No Carnaval... As “Brincas” (2)

A meio do Carnaval retomamos a referências às «Brincas» com algumas considerações sobre a sua origem e as suas funções.

A datação da origem das Brincas, tão populares na região de Évora, como noutros pontos do Alentejo, não está completamente determinada. Alguns autores, nomeadamente Luís de Matos (1985) e Rui Arimateia (1987), referem o século XVIII como uma das possibilidades, mas chamam a atenção para a possibilidade de a origem destas manifestações ser mais antiga dada a semelhança com as farsas de Gil Vicente pela linguagem e pelo burlesco que umas e outras apresentam.

Quanto à função da Brinca, e para além da que decorre da sua inserção no contexto das festividades cíclicas de cariz popular com manifestas referências mítico-religiosas, importa ter presente o seu carácter marcadamente rural. Neste contexto social as Brincas de acordo com Luís de Matos (1985) “constituíam ao tempo uma forma de transmitir conhecimentos a quem, por razões diversas e uma fundamental, nada sabia”. A razão fundamental a que o autor alude é o analfabetismo que sempre caracterizou os contextos rurais do nosso país. Neste contexto a Brinca assumia um importante papel na transmissão de conhecimentos, nomeadamente os de natureza histórica, já que no “enredo” das Brincas encontramos, com muita frequência” a descrição de episódios históricos (a fundação da nacionalidade, a conquista da cidade de Évora aos muçulmanos por Giraldo Sem Pavor, etc.). Se atentarmos que quase sempre, quer os interpretes das Brincas, quer aqueles que assistiam à sua representação, não sabiam ler e escrever, facilmente compreendemos o papel cultural muito importante que esta forma de expressão popular desempenhou em tempos recuados.


Palhaços da «Brinca» “O Geraldo Sem Pavor” por um Grupo do bairro de Almeirim, (Évora, Carnaval de 2001)

Por outro lado interessa referir que, de acordo com Rui Arimateia (1987), as Brincas são “uma forma muito rica e complexa de Cultura Popular, com as manifestações artísticas dos seus componentes: poetas, instrumentistas, encenadores, coreógrafos, artistas plásticos de cariz popular. Muitas vezes criando, eles próprios, os versos do “fundamento” e as músicas executadas”. O mesmo autor, retomando as ideias expressas por outros autores , afirma que “a Brinca abala de facto as estruturas sociais mais sólidas: a família, a autoridade, a Igreja, o poder instituído, a moralidade e os bons costumes, etc.”. E acrescenta este autor que “em tempo de Carnaval todos teriam, simultaneamente, de se constituir enquanto autores, actores e espectadores das brincadeiras das «trupes» (no nosso caso concreto das Brincas) e demais grupos errantes. A censura não existia. A participação era total e sincera, o riso era o advogado de acusação no julgamento da Autoridade, da Moral e da Lei oficiais, reguladoras da vida social, nos restantes períodos do Calendário” (RUI ARIMATEIA, 1987).

BIBLIOGRAFIA: ARIMATEIA, RUI (1987); As «Brincas» - Manifestações Carnavalescas. In O GIRALDO nº 10 de 10 de Março de 1987 (pgs. 6 e 7), Évora. MATOS, LUÍS DE (1985); Carnaval em Évora – Brincas. Enquadramento temporal das brincas. In Actas do III Congresso do Alentejo (pgs. 1259-1262), Évora

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