08 junho 2006

Olá, eu sou a Sandra Vanessa e tenho 12 anos

Numa altura em que a Educação volta a assumir um grande destaque na sequência de discursos, intenções e propostas do respectiva ministra não resisto em transcrever aqui dois artigos colocados no blogue "Ideias Soltas" de Carlos Araújo Alves.

Nasci e vivo em Corroios com os meus pais que trabalham em Lisboa.

Olhem tou podre. Ontem a prof de historia chamou-me mal educada só pq lhe disse que n deitava fora a chiclet que tinha acadabo de por a boca!!! Mas que e que ela quer??? Então eu não posso ouvila e ver aqueles slaides manhosos dumas fotografias muito velhas que um tal Fan Ike tirou a mais de 400 anos?? A cota é passada!!
Bem n intereça ela que se enxa de pulgas q n tou p/ aturala. O resto do dia até que foi bué de fixe. No fim das aulas fomos ao Fórum Almada ver os chavalos. havia lá um que era podre.... depois vim para casa para ripar mais uns tops para o meu mp3 e quando abri o msn já la estavam as minhas amigas. Foi giro porque apareceu uma anónima que n concegui-mos saber quem era, mas tivemos a falar sobre o que iria acontecer hoje nos Morangos com Açúcar e e claro que todas estávamos de aquordo que aquilo que aqule chavalo fez a namorada n se faz. Comigo dava-lhe corda e depois mandava-o andar.
Bué de giro foi o link que a tal anónima nos mandou com música dos Da Wheasel que devia ser de um museu bué de bom!!! Tinha lá muitos quadros nas paredes e n querem saber que um deles ela igual ao da fotografia manhosa que a cota de historia mostrou na aula?!!!
Afinal o nome dele é Van Eyck e nasceu na Flandres que é como se chamava antigamente a Holanda e foi um dos melhores pintores do sec. XV. o gajo era bué de bom. Pintou quadros com gente bué de gira com roupas bem fixes. Eram de mais as cores da roupa de antigamente.
Um dia se existe mesmo aquele museu quero la ir velo!!! E bem melhor que aturar aqueles cotas todos da escola!!! DDD!!!
Bom agora xau, vou ver os Morangos com Açúcar!

Boa, aconteceu mesmo aquilo que tinha-mos dito!!! O chavalo foi envergonhado!!!
Quando os meus pais chegarão a noite n disse nada sobre a cota mas mostrei-lhes o link da tal anónima. O meu pai disse que era giro mas que n tinha tempo para aquilo e perguntou-me se eu tinha estudado p/ o teste.
Fogo, so pensam nisso os cotas. La fui para o quarto ler alguma coisa so p/ eles se calarem. E que agora anda toda gente a falar de educação, todos contra os profs e as escolas. Mas que e que queriam fazer com aqueles cotas todos a falarem de coisas sem interesse e so se calam se a gente adormecer mesmo?!!!!

Bem ou mal ficcionado deixo algumas interrogações:

1 - há algum problema com a Sandra Vanessa?
2 - se há, os professores são responsáveis por ele?
3 - se há, em que é que revisão da carreira docente contribui para o resolver?
4 - se há, o problema será de educação, de cultura, de gestão cultural, social ou de tudo um pouco?

Eu peço desculpa, mas acho que aquela Sandra Vanessa não tem qualquer problema. Nem ela nem as amigas. Elas sentem-se na maior!
E, assim sendo, também os professores não têm.
Mas nós, nós que lemos aquela ficção, temos! Não gostamos do que lemos. Alguns acharão que ela estará perdida; outros que se trata de uma minoria.
É que o problema que ali existe é nosso, é cultural, se preferirmos, geracional - as Sandras Vanessas, ou Manuelas, Isabéis, Nunos ou Gonçalos vivem num tempo e num habitat que nos recusamos a assumir que existe e é tão real como o nosso. Nós, os "cotas" desta sociedade, marginalizamos estes jovens e nada fazemos para nos aproximarmos do seu habitat - o habitat cultural da nova sociedade digital global.
Se cada um de nós assim procede (retirando sempre as honrosas excepções), como poderemos assacar à escola e aos professores responsabilidades?
O desfazamento cultural entre o habitat de aprendizagem e o de ensino impedem que a comunicação flua e seja profícua, tendo graves consequências ao nível dos resultados finais!
De nada adianta culpabilizar individual ou sectorialmente os agentes educativos, pessoas e instituições, e muito menos defendermo-nos com "a inevitável consequência da escolaridade obrigatória", se nós, enquanto pais, cidadãos, ministros, secretários de estado, professores, não nos disponibilizarmos a aproximar deste novo habitat cultural, de modo a que ele se possa reflectir no sistema de ensino e, naturalmente, na escola.
Só assim nos será possível comunicar, ensinar, transmitir valores aos nossos adolescentes, de forma a que consigam atingir o tão almejado sucesso escolar e, especialmente, prepara-los para encontrarem a sua identidade neste aldeia global, embora multi-linguística e multi-cultural.

Esta é (ou devia ser), naturalmente, também uma área priveligiada da nossa actuação enquanto animadores socioculturais.