Tomar, 13 de Maio de 2007
Por volta das 15h acordo e vou tomar o pequeno almoço. Entretanto vou ver as noticias do dia e faço o mesmo com os meus mails. Começam a aproximar-se as 17h e está um dia bonito para ir a uma esplanada beber um café. Sei que ás 18h vai haver teatro e penso que seria um bom programa para depois do café.
Não faço a mínima ideia de que peça de teatro é, sei apenas que é de um grupo de Castelo Branco, mas a sua qualidade ou género não sei nem de perto nem de longe. Mas como me considero um devorador de eventos culturais, pelo menos dos poucos existentes nesta cidade, não havia razão especial para não assistir a este, ainda por cima grátis (facto com o qual nem sempre concordo). Tenho algum "ódio" de estimação por aqueles jovens que dizem:
"Nesta cidade não se passa nada!" e depois quando há eventos a acontecer não vão, a maioria das vezes sem justificação lógica. O pior é que muitas dessas pessoas são minhas amigas, mas enfim, não é por isso que para mim deixam de ser especiais, mas que me enervam com essa conversa, isso é um facto, eheh.
Envio uma mensagem a 3 pessoas amigas a perguntarem se querem ir. Não vão ( o normal, lá está). Saio de casa para ir à espalanda beber café, deparo-me com a feira de velharias e compro um objecto engraçado por 1euro. São quase 18h e vou em direcção ao Cine-teatro preparado para ir sozinho ao teatro (também nada de anormal), mas lembrei-me que há uma amiga que mora a caminho, passo por sua casa e por acaso arranjo companhia.
Começa a peça às 18h15. Nada de transcendente, mas já deu para rir um pouco, tem ideias giras, mas vê-se que há actores com pouca experiência e algo nervosos. Mas a peça é gira, tendo em conta o amadorismo, conjuga teatro, com dança e musico ao vivo. Tem algum humor negro (que eu tanto gosto), no sentido em que goza com o dia-a-dia de muitos casais portugueses, algo desgraçados da vida. Mas a peça termina passado pouco tempo. Foi engraçada, mas muito curta, cerca de 15/20m. Aseguir dá-se a apresentação, com video-projecção, de todo o projecto que está por detrás desta peça de teatro. Em quase uma hora o projecto é apresentado em forma de documentário, com uma relativa qualidade. Ou seja, chego à conclusão que não assisti propriamente a uma peça de teatro, como julgava, mas posso dizer que assisti ao vivo à apresentação de um puro e verdadeiro projecto de Animação Sociocultural, na sua essência.
Este projecto, denominado ®existir, foi desenvolvido por uma senhora/rapariga (Filipa Francisco) formada na área da dança e integrada no CENTA (Centro de Estudos e Novas Tendências Artísticas), que foi convidada a ir dar aulas aos reclusos do Estabelecimento Prisional de Castelo Branco. A partir daí o que esta pessoa fez com os reclusos foi pura e simplesmente Animação Sociocultural. Projectou com os reclusos esta peça de teatro (denominada de "Nus-Meios"), em que os reclusos (alguns homens e mulheres, nem todos claro) foram eles próprios os agentes activos e até criadores desta peça. Obviamente que tudo começou com simples aulas de teatro-dança, mas depois tudo foi surgindo com a força da dançarina (Filipa), de levar isto mais além. Calculo eu, que tenha sido necessária muita força de vontade de todas as partes, da Filipa, do Estabelecimento Prisional e dos próprios reclusos. Sabemos nós da grande dificuldade que é trabalhar nestes meios, mas há quem seja um verdadeiro animador e faça verdadeira animação, porque neste projecto, sim, fez-se Animação Sociocultural. Porque aqui sim, o público-alvo foi envolvido activamente na acção e, apesar da Filipa ter sido a grande "cabeça" de toda a peça (encenou, escreveu), os próprios reclusos participaram com as suas histórias de vida no argumento desta peça, que partiu de um ideia já elaborada. Contudo, é de salientar a vontade de acreditar que as coisas são possíveis de acontecer. E todos os animadores têm aqui um exemplo concreto de um "sonho" tornado realidade.
Esta foi a 4ª vez que a peça foi apresentada ao público, onde do elenco fazem parte cinco reclusos, alguns outros que integraram o projecto já saíram em liberdade e outros não tiveram a força suficiente para continuar, de qualquer modo é de louvar este iniciativa. A peça são apenas 15/20m, o restante tempo tratou-se da apresentação do projecto e no final houve até espaço para perguntas e respostas com todos os envolvidos. Houve também aquela "choradeira" habitual com a directora do CENTA e do Estabelecimeto Prisional, e também alguns reclusos emocionados e comovidos. Mas isto para vos dizer que trabalhar com qualquer público-alvo e ir com ele à essecência da Animação é possível. Temos é de ser fortes e acreditar que podemos fazer os outros mais felizes independentemente da situação social, económica, cultural, física e mental.
No final, saí com um pensamento, que também partilho aqui com vocês com a certeza de que vão compreender o que quero dizer. Não desvalorizando nada nem ninguém, fiquei, mais uma vez, com a sensação de que não é necessário nenhum curso de Animação para se ser um óptimo animador. Há inúmeras pessoas, como esta Filipa, que praticam a Animação no dia-a-dia sem sequer saberem bem o que é a Animação, e, antagonicamente, há muitas pessoas denominadas de animadores que não praticam a Animação. Aliás, ao longo de toda esta apresentação nunca se mencionou a palavra Animação, porém, segundo os meus conhecimentos, isto sim, é Animação Sociocultural.
No entanto, sei também que um curso nesta área ajuda muita gente a desenvolver bons projectos, mas é necessário também que nas veias de uma pessoa haja sangue verde e animado, para poder ir à prisão e não ter vergonha.
Há algum tempo que andava deslocado do mundo da Animação e até com incertezas se de facto é esta área que quero prosseguir profissionalmente.
Continuo com dúvidas em relação a isso por motivos (gostos) simplesmente pessoais, mas de uma coisa tenho a certeza: não quero nunca estar longe de quem acredita que a Animação não é uma utopia, mas sim uma realidade complexa e difícil, tal como também tenho a certeza de que quero ser um animador informal e anónimo, no meu dia-a-dia, nos pequenos gestos com quem está próximo de mim, seja quem for.
O texto acima transcrito, que recebi por e-mail, é da autoria de Rafael Vieira, um jovem de 24 anos que reside em Tomar e que é licenciado em Animação Sociocultural pela Escola Superior de Educação de Beja. Tive o prazer de conhecer o "Rafa" quando lhe dei aulas na ESE de Beja e dele conservo uma muito boa impressão enquanto pessoa e, muito especialmente, enquanto animador sociocultural.
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