16 julho 2007

ESTATUTO DO ANIMADOR SOCIOCULTURAL

Há umas semanas, no blogue “Animação Sociocultural e Insularidade”, o colega Albino Viveiros dedicou um artigo à problemática do Estatuto do Animador Sociocultural (ver aqui). Tal artigo motivou, pouco depois, um outro subscrito pelo Prof. Avelino Bento, no blogue “Exdra e Animação” que pode, também, ser consultado aqui. Por seu turno, Rogério Silva no blogue “La Maleta” abordou igualmente esta temática num dos seus artigos sobre o “ANIMA 2007”, designadamente neste artigo em que reflecte sobre a comunicação conjunta proferida naquele evento “Exemplos vivos da Organização, organizar-se é andar”, pela APDASC – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Animação Sociocultural e pela Plataforma ECO/Plataforma Nacional. A leitura destes artigos motivou-me a escrever, também, algumas linhas sobre este tema.

Comecei a ouvir falar deste tema, algures no início da década de 1980. Era então “animador” na Casa de Cultura da Juventude de Évora e, nessa qualidade, estive presente num Encontro de Animadores Culturais que se realizou na Figueira da Foz com o objectivo de discutir a problemática do “Estatuto e da Carreira dos Animadores”. Importa esclarecer que o que estava em causa nesse Encontro realizado há quase 30 anos (o tempo passa mesmo a correr) era a integração na Função Pública, designadamente nos quadros do então FAOJ – Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, de duas centenas de “animadores” que exerciam funções de animação nas Casas de Cultura da Juventude que funcionavam nas capitais de distrito. Funções que então se centravam essencialmente na realização de actividades de promoção cultural direccionadas aos jovens nas áreas do teatro, do cinema, da fotografia, do vídeo e da expressão gráfica e plástica. Trabalho essencialmente desenvolvido no âmbito de ateliers onde os participantes tinham ocasião de aprender e praticar tais actividades. Acção complementada por actividades de divulgação e de sensibilização para a prática das mesmas. Na época não havia nenhuma formação certificada para o exercício de funções de animação. Estes “animadores” eram, fundamentalmente, indivíduos habilitados com ensino não-superior, alguns com formações complementares em áreas artísticas, e que frequentavam com regularidade em cursos e workshops de formação de animadores promovidos pelo próprio FAOJ. Os intentos então prosseguidos saíram gorados face a alterações que, pouco depois, se verificaram no quadro político-governamental do país e durante alguns anos o tema deixou de ser falado.

Até que, e em parte então já pela intervenção da ANASC – Associação Nacional dos Animadores Socioculturais, a questão do Estatututo e da Carreira dos Animadores Socioculturais voltou a ser falado. Tal aconteceu num momento em que já existiam cursos técnico-profissionais de Animação Sociocultural e, pelo menos, um curso médio nesta área. À semelhança do que aconteceu na década de 1980, uma vez mais, o que estavam realmente em causa era a tentativa de enquadrar na Administração Pública, particularmente nas autarquias locais, um conjunto de profissionais com formação técnico-profissional, média e superior em áreas relacionadas com a Animação Sociocultural. Desta feita os resultados foram mais positivos, com a definição, ainda que relativamente vaga e incompleta, da carreira de Animador Sociocultural ao nível das categorias de pessoal Técnico-profissional e de Técnico Superior da Administração Pública e com a respectiva inclusão das mesmas nos quadros de pessoal de muitas autarquias locais.

Acontece que o momento actual apresenta contornos distintos dos dois anteriormente referidos. Para começar devemos ter em consideração que a capacidade de absorção de profissionais da Animação por organismos da Administração Pública (Central e Local) é hoje muito mais reduzida em consequência das cada vez maiores restrições orçamentais. Acresce que mesmo as pequenas conquistas dos Animadores Socioculturais, antes referidas, estão hoje em perigo por força da mais que provável aprovação de um novo sistema de vínculos e carreiras da Administração Pública que se poderá traduzir numa muito menor diversidade de carreiras e significar, em especial para os jovens, uma maior precariedade no emprego público e a possibilidade de despedimento da Função Pública em condições idênticas às previstas no Código do Trabalho para o sector privado.

Falar hoje, em Portugal, de um Estatuto e de uma Carreira do Animador Sociocultural implica ter em consideração a crescente dificuldade de emprego no sector público e o aumento exponencial do número de indivíduos com habilitações ao nível técnico-profissional e superior para o desempenho de funções de Animação Sociocultural. A conjugação destes factos leva a que, na actualidade, aqueles que conseguem emprego na área se dispersem cada vez, quer ao nível da natureza das funções que exercem, quer ao nível da tipologia das entidades patronais, quer ao nível dos vínculos laborais. Tal dispersão dificulta, por certo, o estabelecimento de normas de enquadramento profissional que possam ser aplicadas a essas múltiplas de realidades.

Em relação aos indivíduos com qualificação técnico-profissional para o exercício de funções de Animação Sociocultural a situação parece caminhar para alguma normalização e regulamentação. Com efeito, e como se pode constatar aqui, a Animação Sociocultural é uma das áreas de educação e de formação contempladas no Catálogo Nacional das Qualificações estando para breve a divulgação dos respectivos Perfil Profissional e Referencial de Formação. Medidas que surgem no âmbito da reforma do ensino técnico-profissional de que resultou a uniformização das designações dos cursos do ensino secundário técnico-profissional até aqui existentes na área da Animação.

Ao nível do ensino superior a situação afigura-se bem mais complexa. Para começar, e concordando com a opinião expressa por inúmeros colegas, a aplicação do processo de Bolonha não se traduziu, como seria expectável, na uniformização das designações dos cursos e dos respectivos currículos, o que infelizmente não abona na consolidação da Animação Sociocultural. Depois, considero que as dificuldades a ultrapassar para que a Animação Sociocultural possa um dia vir a ser uma profissão regulamentada (como acontece com medicina, advocacia, arquitectura, psicologia, etc.), parecem-me quase inultrapassáveis num país onde profissões bem mais antigas e socialmente reconhecidas, (Assistente Social, por exemplo) ainda não o foram. A situação, a nível comunitário, onde a Animação Sociocultural apenas é uma profissão regulamentada na Polónia, também não tenderá a facilitar este processo. Talvez não tenha sido apenas por uma menor afirmação da Animação Sociocultural, que os nossos vizinhos espanhóis mantiveram, com Bolonha, a formação na área da Animação Sociocultural inserida na área da Pedagogia Social. É que esta profissão é reconhecida e, mais importante, regulamentada não só em Espanha, mas também na maioria dos países europeus (uma das excepções é Portugal).

Provavelmente, perdemos há alguns anos a oportunidade de colectivamente conseguirmos este desígnio ao não termos avançado no momento apropriado para a constituição de uma verdadeira associação socioprofissional que pudesse ter lutado junto dos poderes políticos pela regulamentação da profissão. Ainda que tal seja hoje possível, há que ter em consideração que os projectos de lei que brevemente serão discutidos em sede parlamentar tenderão a dificultar em muito a criação deste tipo de associações e a sucessiva regulamentação de novas profissões.

A conjugação de todos estes factores, e de outros que aqui não referi para não alongar demasiado este artigo, não pode deixar de se traduzir em algum cepticismo da minha parte em relação a uma regulamentação da nossa actividade traduzida num Estatuto do Animador Sociocultural. Espero, obviamente, estar enganado. Julgo, por tudo isto, que os nossos esforços terão de continuar centrados na promoção do reconhecimento social e institucional da natureza específica da Animação Sociocultural e das funções e competências dos Animadores Socioculturais, especialmente daqueles que possuem habilitações de nível superior nesta área. Neste desígnio deveríamos poder contar com o apoio e com a colaboração das instituições superiores que leccionam formação nesta área designadamente ao nível da teorização, da investigação e da divulgação técnica e científica. Mas isto não me parece fácil, já que o envolvimento nessas instituições de quadros docentes com formação académica e trabalho científico na área da Animação Sociocultural continua a ser muito residual.

1 comentário:

Anónimo disse...

Bom dia amigo José Vieira,

Nos passados dias 13, 14 e 15 de Julho de 2007 a APDASC realizou o seu I Encontro Nacional de Dirigentes da APDASC, onde foi debatido - a par de outras questões - o Estatuto e Carreira dos Animadores. Há uma luz ao fundo do túnel e vamos mesmo avançar com uma Comissão para a reformulação/recriação do ESTATUTO DO ANIMADOR. Pela designação já vemos algumas mudanças. Temos a convicção que não faz sentido haver um ESTATUTO DO ANIMADOR SOCIOCULTURAL face à diversidade de cursos e ofertas de emprego. Senão repare-se, fará sentido haver o Estatuto do Professor de Matemática? E os outros professores?

Os vários animadores de que falámos aparecerão no conteúdo do Estatuto (animador sociocultural, animador socioeducativo, animador socioprofissional, etc.), para que não se confunda este estatuto com um estatuto para todos aqueles que utilizam a designação ANIMADOR (ex.: animador de discoteca, animador de rádio, etc.).

Essa Comissão terá já a sua primeira reunião ainda este mês, uma vez que estamos a falar de algo que é URGENTE. Assim que a nova proposta de ESTATUTO DO ANIMADOR estiver concebida certamente que irá a aprovação em Congresso de Animadores.

Um abraço.

Carlos Costa